Desafios do atraso escolar no Brasil: 4,2 milhões de estudantes estão com defasagem de dois anos ou mais

Mesmo com avanços na redução da distorção idade-série, desigualdades raciais, de gênero e sociais ainda dificultam o pleno desenvolvimento dos estudantes no país, aponta análise do Unicef

Desafios do atraso escolar no Brasil: 4,2 milhões de estudantes estão com defasagem de dois anos ou mais
Foto: Divulgação

O Brasil ainda enfrenta um cenário preocupante de atraso escolar. De acordo com dados do Censo Escolar 2024, analisados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 4,2 milhões de estudantes estão pelo menos dois anos atrasados em relação à série que deveriam cursar. Esse número equivale a 12,5% de todas as matrículas no país. Embora os índices indiquem uma leve melhora em comparação a 2023, quando 13,4% dos alunos se encontravam em situação semelhante, os desafios permanecem significativos para garantir que todas as crianças e adolescentes avancem de forma adequada.

A análise, divulgada nesta quinta-feira (25), revela que a redução da chamada “distorção idade-série” não tem acontecido de forma igualitária entre todos os grupos sociais. Estudantes negros, por exemplo, apresentam índices quase duas vezes maiores de atraso escolar em relação aos estudantes brancos: 15,2% contra 8,1%. A diferença também se manifesta entre os gêneros: 14,6% dos meninos estão atrasados, contra 10,3% das meninas. Esses números expõem desigualdades estruturais que ultrapassam os muros da escola e estão fortemente ligadas ao contexto social e econômico de cada estudante.

Para Julia Ribeiro, especialista em educação do Unicef no Brasil, é fundamental enxergar o atraso escolar não como um “fracasso individual”, mas como resultado de múltiplos fatores que envolvem família, governo, sociedade civil e comunidade escolar. “Quando a gente fala em fracasso escolar, muitas vezes responsabilizamos apenas o estudante. É preciso entender isso como um conjunto de fatores que contribuem para que meninos e meninas reprovem, entrem em atraso escolar ou fiquem mais propensos a abandonar os estudos”, afirma. Segundo ela, o sentimento de não pertencimento aumenta o risco de abandono escolar, reforçando a importância de compreender as razões particulares que levam cada estudante a enfrentar essa situação.

Essa necessidade de escuta se confirma em outra pesquisa realizada pelo Unicef e pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), em 2022. O estudo revelou que um terço dos adolescentes brasileiros (33%) acredita que a escola não sabe nada sobre a sua vida e a de sua família. Para Julia Ribeiro, esse dado é alarmante, especialmente porque a escola é o equipamento público mais presente no dia a dia de crianças e adolescentes. “Um terço dos estudantes dizerem que as escolas não sabem nada sobre sua vida e a vida de sua família é algo muito forte. Certamente, para os estudantes que estão em um processo de desvinculação, sentir-se não pertencente a esse espaço é algo muito significativo”, ressalta.

O desafio, portanto, vai além do combate à reprovação ou ao abandono: é criar um ambiente escolar acolhedor, capaz de reconhecer a realidade de cada estudante e agir de forma integrada com famílias e comunidades. Só assim será possível reduzir as desigualdades e garantir que todos tenham oportunidades iguais de aprendizado e desenvolvimento.

Abandono

O abandono escolar é uma das consequências mais graves do atraso educacional no Brasil. Para além do impacto imediato no aprendizado, essa realidade compromete toda a trajetória de vida dos estudantes, refletindo-se no mercado de trabalho, na cidadania e nas condições socioeconômicas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, embora o país tenha avançado, ainda há um longo caminho a percorrer. Em 2024, 56% da população com 25 anos ou mais concluiu o ensino médio — o maior percentual da série histórica iniciada em 2016, quando esse índice era de apenas 46,2%.

Essa evolução representa um avanço importante, mas também evidencia desigualdades persistentes. A baixa escolaridade reduz oportunidades, limita o acesso a empregos de melhor qualidade e restringe a participação plena na sociedade. Por outro lado, o aumento da escolaridade traz benefícios diretos: quanto mais altos os níveis de instrução, maiores são as chances de inserção produtiva e de renda. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ter um diploma de ensino superior no Brasil pode mais do que dobrar o salário de um trabalhador em comparação àqueles que concluíram apenas o ensino médio.

Compreendendo que o enfrentamento do fracasso escolar exige políticas integradas e visão de longo prazo, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) vem fortalecendo parcerias estratégicas para apoiar redes públicas de ensino. Uma das principais iniciativas é a estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar, desenvolvida em parceria com o Instituto Claro e com o apoio da Fundação Itaú. O programa auxilia governos e escolas na elaboração, implementação e monitoramento de ações voltadas para reduzir o atraso escolar e combater a cultura do fracasso, criando condições para que crianças e adolescentes possam permanecer e progredir na escola.

“Acreditamos na mudança e na transformação social por meio da educação. Para alcançar esse objetivo, é fundamental conhecer os desafios e estabelecer estratégias de enfrentamento. A Trajetória de Sucesso Escolar do Unicef vem fazendo isso com excelência, oferecendo uma visão ampla do cenário atual e uma nova perspectiva para milhões de estudantes”, destaca Daniely Gomiero, diretora de Desenvolvimento Humano Organizacional, Cultura e Sustentabilidade da Claro e vice-presidente do Instituto Claro.

Mais do que números, essas iniciativas mostram que garantir a permanência e o aprendizado de todos os estudantes é uma responsabilidade coletiva. O fortalecimento de políticas públicas e parcerias inovadoras é essencial para transformar histórias individuais e construir um futuro mais justo e igualitário para o Brasil.

*Com informações da Agência Brasil