Poluição do ar pode causar mutações tão graves quanto o tabagismo

Pesquisa com mais de 800 pacientes revela que exposição à poluição pode provocar alterações no DNA e elevar o risco de câncer de pulmão mesmo em pessoas que nunca fumaram

Poluição do ar pode causar mutações tão graves quanto o tabagismo
Foto: Divulgação

Um novo estudo publicado na renomada revista científica Nature lança um alerta preocupante sobre os efeitos da poluição atmosférica na saúde pulmonar de pessoas que nunca fumaram. A pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego em parceria com o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI/NIH), analisou o genoma de tumores de 871 pacientes diagnosticados com câncer de pulmão. O resultado: a exposição prolongada à poluição do ar pode causar mutações genéticas tão graves quanto aquelas provocadas pelo tabaco.

Entre os achados mais relevantes, estão as alterações no gene TP53, conhecido por seu papel como supressor de tumores, e o encurtamento precoce dos telômeros, estruturas que protegem os cromossomos e evitam o envelhecimento celular precoce. Ambas as alterações comprometem a capacidade de defesa e regeneração das células, elevando substancialmente o risco de câncer.

“Essa descoberta é extremamente relevante porque mostra que o risco de desenvolver câncer de pulmão não está restrito aos fumantes. Estamos vendo os mesmos danos em pessoas que nunca fumaram, mas foram expostas à poluição urbana por anos”, explica a pneumologista e especialista em Medicina do Sono, Jessica Polese.

Os pesquisadores observaram ainda que quanto maior a exposição à poluição, mais mutações genéticas eram encontradas nos pacientes. O grupo de pessoas expostas à poluição apresentou, inclusive, mais alterações genéticas do que fumantes passivos. Isso reforça a ideia de que os poluentes atmosféricos, como material particulado fino (PM₂.₅), dióxido de nitrogênio (NO₂) e ozônio (O₃), podem ativar ou acelerar processos cancerígenos mesmo sem histórico de tabagismo.

Enfisema por poluição: risco crescente

Além do câncer, outras doenças pulmonares crônicas têm sido associadas à poluição atmosférica. Um estudo longitudinal dos Estados Unidos, com mais de 7.000 adultos monitorados por 10 anos, revelou que a exposição contínua a PM₂.₅, NO₂ e ozônio está ligada ao desenvolvimento do enfisema pulmonar, condição que danifica os alvéolos e reduz a capacidade respiratória.

Segundo a pesquisa, publicada no Journal of the American Medical Association (JAMA), um aumento de apenas 2 µg/m³ de PM₂.₅ já estava associado a um acréscimo de 0,11 ponto percentual na presença de enfisema pulmonar. A relação foi ainda mais expressiva com o ozônio, um dos poluentes que mais cresce nas zonas urbanas em períodos de seca ou calor extremo.

“É um dado alarmante porque estamos falando de pessoas que não fumam, vivem nas cidades e estão adoecendo de forma silenciosa”, afirma Polese. O enfisema, assim como o câncer, também é agravado por mutações celulares e processos inflamatórios crônicos provocados pelos poluentes.

Expansão do estudo para países em desenvolvimento

A equipe responsável pelo artigo na Nature já planeja ampliar o escopo da pesquisa para analisar mutações em pacientes não fumantes da América Latina, Oriente Médio e África, regiões onde a poluição urbana tem aumentado sem a mesma infraestrutura de monitoramento e controle vista em países desenvolvidos.

Dados da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC) estimam que mais de 200 mil casos anuais de câncer de pulmão estejam diretamente relacionados à exposição à poluição, sendo grande parte deles em não fumantes. Em algumas regiões, esse número já supera o de casos atribuídos ao fumo passivo.

“Precisamos tratar a poluição como uma ameaça direta à saúde pública, com o mesmo rigor que aplicamos às campanhas antitabagismo”, conclui Polese.