Mulheres sem pré-natal no início da gestação têm 47% mais chances de ter bebê com anomalia, aponta estudo da Fiocruz

Pesquisa analisou 26 milhões de nascimentos no Brasil entre 2012 e 2020 e reforça a importância de políticas públicas para reduzir casos evitáveis de anomalias congênitas

Mulheres sem pré-natal no início da gestação têm 47% mais chances de ter bebê com anomalia, aponta estudo da Fiocruz
Foto: Divulgação

Mulheres que não realizaram consultas de pré-natal no início da gestação apresentaram 47% mais chances de ter filhos com anomalias congênitas, segundo um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A pesquisa aponta que uma parte significativa dessas ocorrências poderia ser evitada com o fortalecimento de políticas públicas voltadas à saúde materno-infantil.

O levantamento cruzou dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), considerando o período de 2012 a 2020. Ao todo, foram analisados cerca de 26 milhões de nascimentos, dos quais aproximadamente 144 mil apresentaram algum tipo de anomalia congênita.

Das anomalias registradas, o estudo priorizou defeitos de membros, cardíacos, de tubo neural, fenda oral, genitais, parede abdominal, microcefalia e síndrome de Down — condições consideradas prioritárias para vigilância epidemiológica no Brasil.

O artigo foi assinado por Qeren Hapuk, pesquisadora associada do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia, e publicado no periódico internacional BMC Pregnancy and Childbirth. O trabalho teve como foco compreender de que forma fatores como pré-natal insuficiente, idade materna, raça/cor, baixa escolaridade e vulnerabilidades socioeconômicas impactam no desenvolvimento dos bebês, buscando embasar estratégias preventivas voltadas às crianças com anomalias congênitas.

Para a Fiocruz, os resultados reforçam a necessidade de ações coordenadas entre saúde pública, assistência social e educação para ampliar o acesso ao pré-natal de qualidade, especialmente nos primeiros meses da gestação — etapa essencial para garantir um acompanhamento eficaz e reduzir riscos à saúde dos recém-nascidos.

Fatores

Alterações estruturais e funcionais conhecidas como anomalias congênitas seguem sendo um dos principais fatores de risco para a morbidade e mortalidade infantil no mundo. Um estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reforça que esses distúrbios têm origem multifatorial, sendo profundamente influenciados por condições socioeconômicas, raciais, biológicas e pelo acesso à saúde.

De acordo com os dados analisados, mães que se autodeclararam pretas tiveram 16% mais chances de ter filhos com anomalias congênitas em comparação com mães brancas. A idade materna também se destacou como um fator de risco importante: mulheres com mais de 40 anos apresentaram quase 2,5 vezes mais chances de dar à luz a um bebê com algum tipo de anomalia. Já mães com menos de 20 anos registraram 13% mais risco em comparação com mulheres de 20 a 34 anos.

A escolaridade foi outro aspecto determinante. Mães com baixa escolaridade (0 a 3 anos de estudo) tiveram 8% mais chances de ter filhos com anomalias do que aquelas com 12 anos ou mais de escolaridade.

O estudo também identificou associações específicas entre certos tipos de anomalias e fatores de risco. Casos de defeitos do tubo neural — estrutura embrionária que dá origem ao cérebro e à medula espinhal — estiveram fortemente ligados à baixa escolaridade, ausência de pré-natal e gestação múltipla. Já defeitos cardíacos congênitos tiveram relação com idade materna avançada, perda fetal anterior e pré-natal inadequado. A Síndrome de Down, por sua vez, foi associada de forma significativa a mães com mais de 40 anos.

A pesquisa reforça a urgência de políticas públicas focadas na redução das desigualdades sociais e no acesso precoce a cuidados de saúde de qualidade, especialmente o pré-natal, como estratégia central para a prevenção de anomalias congênitas evitáveis e para a promoção da equidade na saúde materno-infantil no Brasil.

Desigualdades

A ocorrência de anomalias congênitas em recém-nascidos no Brasil também apresenta grandes variações entre as regiões do país, de acordo com estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Uma das principais explicações para essa disparidade é a subnotificação, que compromete o retrato real da situação. A Região Sudeste foi identificada como a que mais notifica adequadamente os casos, ao contrário de outras regiões que apresentam registros menos consistentes.

No entanto, além das falhas no registro, fatores socioeconômicos também têm peso significativo. A Região Nordeste, que concentra uma parcela expressiva da população em situação de pobreza, apresentou maior probabilidade de nascimentos com defeitos do tubo neural, malformação associada a baixa renda, escolaridade reduzida e alimentação inadequada, como a falta de suplementação com ácido fólico durante a gestação.

O estudo também destaca o impacto da epidemia do vírus Zika, entre 2015 e 2016, no aumento da notificação de casos de microcefalia e outras anomalias do sistema nervoso, especialmente no Nordeste, o que também pode ter influenciado os dados da pesquisa.

“Esses dados mostram que a desigualdade socioeconômica, aliada a fatores biológicos, impacta diretamente na saúde e no desenvolvimento do bebê”, afirma a pesquisadora Qeren Hapuk, autora do estudo e associada ao Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia.

Para a pesquisadora, os resultados deixam claro que grande parte desses fatores de risco são evitáveis ou modificáveis. Ela defende que intervenções voltadas à educação materna, planejamento reprodutivo, melhora na nutrição e, principalmente, ampliação do acesso ao pré-natal de qualidade são essenciais para a prevenção das anomalias congênitas e para a promoção da equidade na saúde infantil no país.

*Com informações da Agência Brasil