Mais Médicos mantém alta aprovação e impacto positivo na saúde brasileira, mesmo com crítica dos EUA
Programa beneficiou mais de 66 milhões de pessoas desde 2013; participação cubana foi essencial nos primeiros anos

Mesmo alvo de críticas e sanções recentes dos Estados Unidos, o programa Mais Médicos continua registrando resultados expressivos na cobertura da atenção básica e alta aprovação da população atendida. Criado em 2013 para suprir a carência de profissionais em regiões de difícil acesso ou com baixo índice de médicos por habitante, a iniciativa já beneficiou mais de 66,6 milhões de brasileiros em mais de 4 mil municípios, segundo dados do Ministério da Saúde (MS).
Na última quarta-feira (13), o Departamento de Estado dos EUA anunciou a revogação de vistos de servidores do governo brasileiro, ex-funcionários da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e seus familiares. O argumento foi de que esses profissionais teriam participado de um “esquema de exportação de trabalho forçado” do regime cubano por meio do Mais Médicos. A declaração foi feita pelo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, e rapidamente repercutiu no cenário político e diplomático.
Para o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rômulo Paes, a medida não tem relação com questões de saúde pública, mas se insere em uma estratégia de política externa de Washington. Ele lembra que Cuba mantém há décadas programas de cooperação médica em diversos continentes e que, em 2013, ano de criação do Mais Médicos, já atuava em 103 países, incluindo Portugal, Espanha, Ucrânia e Rússia. “Não é verdade que o Brasil tenha alguma excepcionalidade. Vão punir os 103 países? Vão punir a Espanha, Portugal e Ucrânia? Não vão”, criticou.
Papel dos cubanos e impacto no Brasil
Nos primeiros anos do programa, os médicos cubanos foram maioria, chegando a 64% dos profissionais em 2014 — cerca de 11,3 mil do total de 17,5 mil médicos. Essa presença foi decisiva, segundo especialistas, para reduzir em 56% o déficit de atenção primária em diversas localidades. Municípios da Amazônia Legal, do semiárido e periferias urbanas receberam reforço de equipes completas, diminuindo o tempo de espera para consultas, melhorando a relação médico-paciente e garantindo continuidade em tratamentos de doenças crônicas e negligenciadas.
A cooperação com Cuba via Opas durou de 2013 a 2018. Após mudanças nas regras, parte dos profissionais deixou o país, mas muitos continuaram atuando por meio de editais abertos a estrangeiros. Hoje, dos 26 mil médicos do Mais Médicos, 22,7 mil são brasileiros e 2,6 mil são cubanos — cerca de 10% do total.
Avaliação popular e estudos científicos
Pesquisas reforçam a eficácia e a boa recepção do programa. Um levantamento feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), com cerca de 14 mil entrevistas, apontou que 95% dos usuários estão satisfeitos com o Mais Médicos, atribuindo nota média de 8,4; entre indígenas, a avaliação subiu para 8,7. O estudo também revelou que 81% dos pacientes atendidos pertenciam a famílias de baixa renda.
Relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) destacou a relação humanizada entre médicos e pacientes, a presença constante nas unidades básicas de saúde e a redução significativa de filas de atendimento. Mesmo onde havia equipes completas antes do programa, a carga horária dos profissionais nem sempre era cumprida, o que mudou com a chegada dos médicos vinculados ao Mais Médicos.
Contexto internacional e cerco a Cuba
A polêmica envolvendo os EUA se soma ao histórico de bloqueio econômico à ilha caribenha, mantido há mais de 60 anos, com o objetivo de pressionar mudanças no regime político estabelecido após a Revolução de 1959. Como a exportação de serviços médicos é uma das principais fontes de receita de Cuba, governos norte-americanos têm buscado, ao longo do tempo, desestimular países parceiros.
Desde a década de 1960, mais de 605 mil médicos cubanos já atuaram em 165 nações, incluindo países da Europa, África, América Latina e Caribe. Após as recentes críticas de Washington, governos de países caribenhos como São Vicente e Granadinas, Barbados e Trinidad e Tobago saíram publicamente em defesa de Cuba e dos acordos de cooperação médica.
Futuro do Mais Médicos
Apesar das pressões externas, o Ministério da Saúde reforça que o programa segue em expansão e cumpre papel fundamental na estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), sobretudo em áreas remotas. Para Rômulo Paes, a tentativa de desqualificar a iniciativa ignora seus resultados concretos: “Houve melhora na atenção primária, redução de hospitalizações e avanço nos indicadores de saúde. O Mais Médicos é um sucesso que incomoda mais pela política do que pela prática”.