Novas diretrizes da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil atualizam diagnóstico e tratamento do autismo no Brasil
Documento reforça a importância do diagnóstico clínico, do trabalho multidisciplinar e do combate às terapias sem evidência científica. Especialistas explicam como identificar sinais precoces e orientar famílias com segurança e empatia
A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) acaba de divulgar um novo documento com atualizações sobre o diagnóstico e tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. Elaborado por especialistas do Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento, o material traz orientações práticas para médicos, psicólogos e demais profissionais que atuam com crianças e adolescentes autistas.
As diretrizes reforçam que o diagnóstico do autismo é essencialmente clínico, baseado na observação do comportamento, entrevistas com familiares e critérios estabelecidos pelo DSM-5. O texto alerta ainda que fatores externos, como vulnerabilidade social e uso excessivo de telas, podem gerar sinais semelhantes ao TEA, exigindo atenção redobrada dos profissionais durante o processo avaliativo.
A neuropsicopedagoga Pollyana Fiorotti destaca os principais sinais de alerta: “Dificuldade para interação social, pouco contato visual, problemas de comunicação, apego incomum a objetos e resistência a mudanças são alguns sintomas que merecem atenção de pais e educadores", diz.
O documento também reforça a importância das terapias baseadas em evidências científicas, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), os modelos naturalísticos, a terapia cognitivo-comportamental, o treino de habilidades sociais e outras abordagens comprovadas. Por outro lado, o protocolo desencoraja o uso de práticas sem respaldo científico, como intervenções biológicas (células-tronco, ozonioterapia, canabidiol, psicanálise, son-rise) e suplementações sem prescrição médica. Técnicas como Floortime, equoterapia e estimulação craniana não invasiva são mencionadas como promissoras, mas ainda com evidências insuficientes para recomendação ampla.
Médica neurocirurgiã pediátrica e pós graduada em psiquiatria infantil, Larissa de Sousa. Foto: Hayor Branding e Comunicação
Para a médica neurocirurgiã pediátrica e pós-graduada em psiquiatria infantil, Larissa de Sousa, a atualização é um marco: “A nova diretriz da SBNI representa um avanço na padronização das condutas clínicas e no combate à desinformação sobre terapias sem comprovação, que representam risco real à saúde das crianças", afirma.
Olhar apurado
A psicóloga infantil Kamila Vilela explica que, embora o diagnóstico do TEA seja médico, o olhar do psicólogo é fundamental na identificação precoce. “É o psicólogo quem observa de perto o desenvolvimento da criança, a qualidade das interações, o brincar e as respostas emocionais. Ele pode aplicar instrumentos de triagem e integrar informações da escola e da família, ajudando na construção de uma avaliação mais precisa e no encaminhamento adequado”, afirma.
Kamila também orienta sobre os sinais que pais e professores devem observar no dia a dia: pouco contato visual, atrasos na fala, dificuldades de interação social, comportamentos repetitivos, sensibilidade a sons, cheiros e texturas, resistência a mudanças na rotina e pouca iniciativa de brincar de faz de conta. Segundo a psicóloga, esses sinais não confirmam o diagnóstico, mas indicam a necessidade de avaliação precoce.
Outro ponto de destaque é o impacto do uso excessivo de telas. Kamila alerta que o tempo prolongado em frente a dispositivos digitais pode reduzir interações humanas, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e da empatia. “A criança que passa horas diante de vídeos e jogos tende a apresentar atrasos na fala e pouco interesse social. Isso pode simular sintomas de autismo, mas trata-se de privação interacional, e não de TEA. Ninguém ‘vira’ autista por conta de telas”, reforça.
Acompanhamento
No acompanhamento, o papel do psicólogo também é orientar as famílias sobre tratamentos baseados em evidências, evitando práticas enganosas. “O psicólogo ajuda a construir um plano terapêutico individualizado, coerente com as necessidades da criança e conduzido por profissionais qualificados. Isso protege as famílias de gastos e expectativas com métodos sem comprovação científica”, explica.
A psicóloa infantil, Kamila Vilela. Foto: Divulgação
Por fim, Kamila ressalta a importância do trabalho multidisciplinar. “Nenhum profissional dá conta sozinho. O autismo é um espectro e exige cuidado compartilhado. O neurologista define o diagnóstico, o psicólogo trabalha as emoções e o comportamento, a fonoaudióloga cuida da comunicação e a terapeuta ocupacional da regulação sensorial e autonomia. Essa integração fortalece o tratamento e dá segurança às famílias", ressalta.
A nova diretriz da SBNI reforça que o caminho mais eficaz para o desenvolvimento de crianças com TEA é aquele construído com ciência, empatia e colaboração entre especialidades, uma rede que une conhecimento técnico e sensibilidade humana para garantir o melhor cuidado possível.

