O caso Kodak e o pensador Schumpeter

A trajetória da Kodak revela a força implacável da destruição criativa: uma empresa que inventou o futuro, mas não teve coragem de abandonar o passado, tornando-se símbolo do preço da inércia diante da inovação

O caso Kodak e o pensador Schumpeter
Foto: Divulgação

Você se lembra da Kodak? Houve um tempo em que ela valia bilhões e suas ações eram referência de solidez. Mas em pouco mais de uma década, o império fotográfico se transformou em pó. Por quê? Porque o futuro, que ela mesma inventou, foi ignorado. A Kodak criou a câmera digital em 1975, mas não teve coragem de matar seu próprio produto principal. Resultado: foi destruída pelo mesmo mercado que a consagrou. Esse é o exemplo mais claro daquilo que Joseph Schumpeter chamou de destruição criativa.

Nos anos 1980, a Eastman Kodak não era apenas uma empresa, mas um arquétipo de estabilidade industrial. Sua ação, que rondava patamares entre 70 e 80 dólares, simbolizava confiança de mercado e a eternidade aparente de um monopólio. O filme fotográfico era a matéria-prima das lembranças, e a Kodak, a guardiã oficial da memória coletiva do Ocidente. Mas a história, como nos ensinou Joseph Schumpeter, não se escreve em linha reta; é antes um campo de ruínas, onde cada inovação ergue novos edifícios ao preço da demolição de antigas catedrais produtivas.

No início dos anos 1990, a mesma Kodak, ainda altiva, já carregava em seu balanço o peso da obsolescência. Suas ações orbitavam entre 41 e 48 dólares, sinalizando que o mercado pressentia o cheiro da ferrugem que se infiltrava sob o verniz dourado. A fotografia digital, que a própria empresa concebera em 1975, era tratada como uma heresia interna. E assim, pela recusa em autodestruir-se criativamente, a Kodak entregou ao futuro sua sentença de morte.

O economista Schumpeter nos legou a noção de que o capitalismo vive não da preservação, mas da sua incessante autodestruição. A Kodak, ícone da fotografia analógica, foi vítima de sua própria arrogância estrutural, acreditava que o poder de mercado, os galpões industriais e as patentes acumuladas seriam suficientes para deter a torrente digital. Mas, como na lógica hegeliana que Schumpeter reelabora para o capitalismo, a contradição entre o velho e o novo resolve-se sempre a favor do novo.

Aqui reside a ironia trágica: a Kodak inventou o futuro, mas não teve coragem de comercializá-lo. O destino da empresa comprova que, no capitalismo, o medo da autodestruição é mais letal que a destruição em si.

Se um analista, no início dos anos 1990, tivesse utilizado o método do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) com a ousadia de incluir no risk premium a defasagem tecnológica iminente, perceberia que os fluxos projetados da Kodak estavam condenados a derreter. A taxa de desconto, inflada pela ameaça digital, reduziria o valor presente líquido a pó antes mesmo que o século terminasse.

Mas os modelos financeiros, assim como as ideologias sociais, são muitas vezes moldados para legitimar o presente, não para antecipar o colapso. O que ocorreu com a Kodak é a prova empírica de que a matemática econômica, quando desprovida de imaginação crítica, transforma-se em simulacro confortável: números que confirmam esperanças, mas não desvelam destinos.

O colapso da Kodak não é apenas um episódio empresarial; é também um evento sociológico. A empresa que democratizou a lembrança fotográfica – encapsulando afetos em rolos de filme – foi, ela própria, esquecida pela sociedade digital. A lógica da inovação devorou o suporte material das memórias de uma geração inteira. Assim, a Kodak é mais que um caso de falência corporativa, é uma parábola concreta sobre a obsolescência do próprio humano diante da aceleração tecnológica.

Ao cair de um valor de mercado de 31 bilhões de dólares em 1997 para a irrelevância de ações de 1 dólar nos anos 2000, a Kodak ilustra a velocidade com que o capitalismo pode reconfigurar não apenas a economia, mas os símbolos culturais. O álbum de fotografias, outrora ritual de família, converteu-se em arquivo digital disperso, e com ele, desfez-se também a aura social de permanência que a marca representava.

O caso Kodak nos obriga a refletir além dos gráficos. Sob o olhar econômico, é exemplo de um ativo que poderia ter sido precificado com mais rigor se o risco tecnológico tivesse sido incorporado ao cálculo. Sob o olhar schumpeteriano, é a comprovação de que o capitalismo não perdoa a inércia. E sob o olhar sociológico, é metáfora pungente da volatilidade de nossas memórias, que agora se alojam em nuvens digitais tão etéreas quanto o destino da própria Kodak.

Seja para economistas, contadores ou sociólogos, a lição permanece: nenhuma estrutura, seja empresa, instituição ou hábito social, é impermeável à força destrutiva da inovação. O capitalismo, como força histórica, avança como um rolo compressor. E aqueles que se refugiam na nostalgia de seus lucros passados são inevitavelmente esmagados, convertendo-se em nota de rodapé de uma narrativa maior, a saber: a da incessante destruição criativa.

Vaner Corrêa Simões Junior é graduado em Economia pela UFES e pós=graduado em Auditória Contábil pela UVV.